quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Espetáculo às Avessas

Por Gabriela Mellão (dramaturga e crítica da Revista Bravo!)

Em Ele Precisa Começar, o ator Felipe Rocha desmistifica o fazer teatral, construindo e descontruindo sua dramaturgia a todo momento diante do espectador.

O ator Felipe Rocha desmistifica o ato dramatúrgico em Ele Precisa Começar, monólogo no qual também atua e que marca sua primeira incursão pela escrita teatral. A peça foi escrita enquanto o atorparticipava de uma turnê internacional com a Cia. dos Atores.

Felipe inicia a nova profissão sozinho no quarto de hotel. Como ele, seu personagem, escreve a primeira frase: “Ele precisa começar”. A partir dali, permite-se redigir o que lhe passa pela cabeça. O texto se desenvolve em tempo real, alinhado com as ideias que surgem quando, fora de casa, usando seu tempo ocioso criativamente, o ator preenche a página em branco de seu computador.

Autor, ator e personagem se misturam a todo momento, estabelecendo um jogo saboroso entre ficção e realidade, que encanta pela maneira criativa e espontânea com que se desenrola. Ele Precisa Começar constrói e desconstrói a história diante do espectador. Possibilidades de caminhos dramatúrgicos aparecem e desaparecem com grande rapidez. O personagem repete os pensamentos do autor: “a história pode ir pra qualquer lugar: pode ser um drama existencialista; ou uma comédia suave; uma obra conceitual; uma história de horror com monstros de lodo e acontecimentos sobrenaturais...” De fato, a trama passeia por gêneros diversos, mas Felipe não se fixa em nenhum. O que realmente lhe importa é a experimentação, a vitalidade do jogo cênico. A iluminação da peça também é controlada por Felipe. Ele cria climas distintos para cada viagem proposta por sua imaginação. No mais inusitado deles, apaga todas as luzes do palco, exceto uma pequena luminária a qual ele direciona seu foco para incidir sobre o protagonista da vez, um gravador.

Ele Precisa Começar escancara o ato dramatúrgico à plateia. Convida-a a participar como co-autor. Literalmente, já que Fátima, a personagem imaginária que contracena com o protagonista, é materializada em cena no corpo de um espectador voluntário. Isto acontece às claras. Na pele de seu personagem, Felipe abre publicamente pensamentos transformados em material dramatúrgico: revela que vai pedir para algum espectador trocar de lugar com a tal Fátima. Põe em prática a ideia, não sem antes admitir seu entusiasmo em colocar o público na iminência de participar efetivamente da trama. Em outro momento, anuncia que quem não estiver gostando da peça pode se retirar. Insiste, diz que não será constrangimento algum. O fato não demora a servir de alimento para o texto, misturando-se à história em construção: “Essa pessoa simplesmente se levanta, sem nenhuma crítica, caminha até a porta, desce a escada ou o elevador, chega à rua, e fica surpresa ao encontrar comigo e com Fátima, encostados num carro-esporte conversível que ela estacionou rente ao meio-fio”, diz.

Felipe brinca com o texto, com o público e consigo próprio. Solicita a imaginação da platéia para a visualização de seus enredos improváveis, metamorfoseia seu corpo em monstros, dança, nada, esperneia em cena. Faz inúmeras suposições para seu enredo, as quais mesmo que não se concretizem, não se transformem em ação, interferem na peça. Os acontecimentos mais insignificantes exercem o importante papel de esmiuçar o ato dramatúrgico ao espectador, revelando o avesso do que o público está acostumado a ver num espetáculo: a obra em fase de criação.

Ele Precisa Começar é uma brincadeira séria. Nela, o espectador se diverte, mas também se questiona sobre o fazer artístico. O autor brinca, se abastece de arte e testa novos caminhos ao teatro contemporâneo, relembrando a todos a verdadeira essência da dramaturgia. Trata-se de uma arte acessível a todos, que pode germinar num hotel, no campo, em qualquer lugar, feito flor de beira de estrada.

(Crítica da apresentação no Fentepp - Festival Nacional de Teatro de Presidente Prudente)
www.fentepp.com.br

domingo, 21 de março de 2010

Dani precisa começar!














Palco Giratório SESC 2010: 15 estados em 9 meses. “Ele precisa começar” de Porto Velho a Chapecó, de Manaus a Curitiba, de Sobral a Cuiabá, com apresentações, oficinas e debates. Para esta empreitada, Felipe vai se revezar com a atriz Dani Barros, uma das fundadoras do projeto "Doutores da Alegria", atriz de teatro (Acqua Toffana), cinema (O Veneno da Madrugada) e televisão (Minha Nada Mole Vida).
Dani já está com a macaca.

sábado, 28 de março de 2009

O Estado de São Paulo: Monólogo une ficção e realidade

Durante uma excursão internacional com a Cia. dos Atores, do diretor Enrique Diaz, o ator Felipe Rocha decidiu utilizar bem seu tempo livre – em vez de passeios desinteressantes, preferiu realizar um desejo antigo e escrever uma peça. O resultado foi um monólogo, Ele Precisa Começar, que estreia hoje no Espaço Beta do Sesc Consolação, depois de uma temporada de sucesso no Rio.

O enredo é engenhoso: um homem de 35 anos, fechado em um quarto de hotel, durante uma segunda-feira de folga, decide começar uma narrativa ficcional. Como não tem nada planejado, escolhe a si mesmo e ao seu quarto de hotel como ponto de partida para sua história. “Ou seja é um ator que se dirige à plateia para informar que um dramaturgo logo vai escrever uma história a serencenada por ele”, conta Rocha. “Mas tudo o que ele conta como sendo um plano futuro já é interpretado no presente.”

A metalinguagem permite que o processo de criação seja compartilhado com a plateia. Mais: devoto de uma escrita delirante, Felipe Rocha, que interpreta o único papel, promove a mistura entre ficção e realidade, com o ator confundindo-se com o autor. “Aproveito as várias camadas da narrativa para tratar especialmente do teatro e o processo da imaginação”, conta ele que, fiel à tradição do humor iconoclasta, permite que o texto una saltos de paraquedas e instalações de arte contemporânea, mafiosos romenos e super-heróis, canções românticas e estratégias performáticas de vanguarda. Quando trabalhava no texto, Rocha conta que não pensava em ser o intérprete. Mas, ao dividir a direção com Alex Cassal, percebeu que a dupla função seria benéfica. Afinal, o processo de ensaio permitia que o ator descobrisse os entraves do texto e propusesse a troca certa de verbos e substantivos, sem que o autor entrasse em depressão.

Ele Precisa Começar é justamente a primeira frase dita pelo ator, iniciando uma viagem cujas intenções foram aprovadas pela maioria da plateia carioca. “O tom é intimista, convidativo, e pede uma aceitação plena do público”, conta Rocha, já promissor como dramaturgo.

Por UBIRATAN BRASIL em 06/03/09

terça-feira, 24 de março de 2009

Revista Bacante: Prólogo do prólogo

Prólogo do prólogo
Eu gostaria de radicalizar com essa crítica a forma “nelson-de-sá” de escrever, relatando só a minha experiência pessoal no contato com os trabalhos de Felipe Rocha. Mas com o tempo, fui notando que isso seria somente um subterfúgio pra não colocar minhas impressões sobre Ele precisa começar. Então vamos parar de falar da forma e partir logo pra crítica.

Prólogo
Sabe aquela coisa de você procurar uma forma que dialogue com a peça? Pois é, numa peça (num espetáculo) que trata de um autor à procura de um começo… Bem, é esse o clichê dessa crítica. Entendeu?

Crítica
No riocenacontemporanea de 2007, participei de uma oficina com Tim Crouch, autor e diretor de My Arm e An Oak Tree. Na mesma oficina estava Felipe Rocha, ator que eu conhecia pelos trabalhos na Cia. dos Atores, mais especificamente Ensaio.Hamlet e Gaivota - Tema para um conto curto (esse último um quase-off-cia-dos-atores).

Felipe disse, ao cabo da peça, que o texto começou a ser escrito há um ano e meio. Pelas minhas contas, o ator estava começando a escrever Ele precisa começar no período dessa oficina.

E esse filtro me impede de pensar a peça atual de Felipe sem ser em relação com a obra de Tim Crouch. Isso porque muito do que ele coloca no trabalho cênico atual também está relacionado com a incompletude proposta por Tim Crouch. Novamente somos recepcionados por um ator que não parece estar “preparado” para a peça. Sabe aquele coisa stanislavski-grotowskiana? Sabe espetáculo de mímica? Então, meio que a aura do ator que fica horas antes da peça ajustando seu corpo para interpretar um personagem, tem isso não. Talvez também porque Felipe tenha que adaptar um pouquinho a peça a cada público. Também porque fica claro que naquele personagem escrito e interpretado por ele tenha MUITO dele mesmo.

Algumas das lógicas dos jogos se repetem. Tim Crouch brincava com o fato de um ator não saber o que acontecerá na seqüência, usava objetos da platéia como personagens. Felipe prepara charadas, faz acordos de participação com o público, convida a participar, não a interagir.

E a história é tão, mas tão maluca, que não dá pra dizer que aqui haja influência direta de Tim Crouch. Isso porque a dramaturgia do inglês tendia à catarse (sim, aquela mesmo). Felipe coloca pausas grandes em que revela as entranhas de sua própria montagem. Momentos em que se espera, simplesmente, aquela pessoa ali na frente arrumar tudo, porque uma cena será apresentada na seqüência.

O que guardo dessa montagem é o tempo presente. O encontro ali mesmo. A sensação de que estamos acompanhados no momento em que Felipe coloca sua história pra acontecer. Dá até pra esquecer que estamos no Sesc Consolação de vez em quando. O que não quer dizer que ele próprio não vá te lembrar.

Simplicidade. Menos é mais (adoro um clichê do mundo da moda). Enfim, essas coisas que a gente procura pra encontrar verdade nas palavras do ator no palco. Senti falta, no entanto, de que essa proposta formal deixe de falar do indivíduo, mas dê conta de um tempo. A peça do Felipe me levou diversas vezes à pergunta “mas o que ele quer com isso?” (se me lembro bem, ele mesmo faz essa pergunta ao longo da peça). Por sorte, na maior parte das vezes a resposta foi inexata. Mas essa presentificação, que tantas vezes vemos em espetáculos de rua, ou de palhaço, parece estar voltando ao teatro da caixa preta, da sala fechada e lugar demarcado. Sinal de alguma variação, ao menos. Mas definitivamente alguém, talvez o próprio Felipe, tem que experimentar essa forma pra pensar alguma contradição do nosso tempo e não do tempo do indivíduo, que não existe, que é uma abstração, uma imaterialidade. Alguém tem que começar.

por FABRÍCIO MURIANA em 23/03/09
www.bacante.com.br

quinta-feira, 19 de março de 2009

Hora inadiável de fazer o que é preciso

Adiar decisões, deixar o tempo passar, desejar coisas que não sabemos como realizar e ver imobilizadas nossas possibilidades de ação. Eis algumas zonas de conforto comumente experimentadas pelas pessoas. Circunstâncias motivadas por medos íntimos, por inseguranças que sequer conhecemos, por incertezas que nos atingem ainda que estejamos diante de algo bom.

Em Ele precisa começar, dá-se o choque. Vemos o impulso adormecido despertar: o homem encontra a palavra, um encontro sublime e difícil, ardoroso e indigesto, exigente. Quantas possibilidades derivam daí? Visões de mundo, vidas inventadas, influências aceitas ou desprezadas.

Perguntemos, pois, quem é o autor? De onde vem e para quem ele fala? Valerá a pena ouvi-lo ou apenas manteremos sua sagração intocável, garantida pelos mistérios de sua própria personagem e pela admiração a que nos acostumamos a demonstrar por ele? Conseguiremos por suas mãos sair do torpor, avançar em nossos pequenos impasses, romper as estruturas que nos aprisionam?

Essas questões animam a chama viva do teatro em Ele precisa começar e motivam o SESC São Paulo a acolher este projeto, uma reflexão sobre o texto e seu autor, mas, sobretudo, sobre a hora inadiável de fazer o que é preciso.

DANILO SANTOS DE MIRANDA - Diretor Regional do SESC São Paulo
Texto para o programa da temporada no SESC Consolação

Dramaturgia dos atores

A “dramaturgia da cena” é uma constante forte demais no teatro recente (para não dizer “contemporâneo”) para não ser encarada como uma espécie de movimento. Não que seja inédita ou uma exclusividade dessa década, mas é fato que se prolifera e arrisca se firmar como tendência (um conceito que pode ser muito abominável em sua natureza) essa intensa participação do ator na construção (e não só na transmissão) do texto dramatúrgico.

Explicando: fala-se aqui de peças em que a base da comunicação teatral – o texto – muitas vezes nem sequer existe de antemão, sendo encontrado e moldado a partir de vivências, pesquisas, experimentos e ensaios. Ou, em outros casos, todo o repertório dos intérpretes e suas maneiras práticas de abordagem de um tema ou história é que enriquecem e transformam um texto que de fato existe (às vezes em forma não-dramática - por exemplo, um conto) como ponto de partida.

Os exemplos são muitos e caminham de mãos dadas com uma já desgastadamente apontada realidade da cena dessa década, que é o “teatro de grupo”. Entre tantos outros, Cia. Livre, Grupo XIX de Teatro, Cia. Luna Lunera e Grupo Espanca! demonstraram sucesso nessa seara. Com resultados frescos e surpreendentes (“Por Elise”), densos e reveladores (“Arena Conta Danton”), intensos, inventivos e delicados (“Aqueles Dois”, “Hysteria”, “Arrufos”) ou simplesmente sublimes (“Negrinha”).

E quando, afastado do grupo, um ator coloca-se sozinho nessa jornada de erguer um espetáculo, sem um autor que o apóie? Ou, antes, quando o autor é ele mesmo, antes ou durante a composição da cena?

É nessa experiência que Felipe Rocha se atira em Ele Precisa Começar.

Para todos os efeitos, o experimento de Felipe dá certo porque ele é ator de uma profunda simpatia, no sentido mais amplo do termo. Suas idéias podem parecer – porque em certa medida são mesmo – dispersas e digressivas, pedaços flutuantes em busca de um todo. Mas o eixo central de sua performance é a sua própria presença e sua capacidade sempre precisa em provocar a busca por imagens ativas e poéticas extraídas de suas palavras. Ele pode não estar dizendo um texto com progressão dramática ou relações causais claras, mas os elementos que traz para a troca estética e emotiva estão sempre vivos, sempre instigando atmosferas e sensações, sempre causando algo, seja o riso (na maior parte das vezes), o incômodo ou a sentimentalidade.

Ele Precisa Começar começa com a falsa idéia de um experimento cênico de câmara e agiganta seus espaços (físicos e semânticos) com uma sacolejante explosividade. É como um elefante numa loja de porcelanas – exceto que o elefante canta e dança balé entre as louças, sem jamais derrubá-las.

(Isso sem contar que a cena em que o ator protagoniza um memorável embate com o revisor ortográfico de seu computador é desde já para não se esquecer.)


Por RAFAEL GOMES em 17/3/09
www.rafaelgomes.blogspot.com

quarta-feira, 18 de março de 2009

Quebrando as regras


Uma das grandes conquistas da modernidade nas artes cênicas é a possibilidade de romper com as regras estabelecidas previamente pelo que podemos designar de cerimonial teatral, onde cada um sabe claramente qual é o seu lugar no espaço dedicado ao jogo: público na platéia, ator no palco, e assim por diante. Claro que essa possibilidade acabou por abrir uma espécie de caixa de Pandora aos fazedores teatrais já que, a partir do momento em que se estabeleceu a possibilidade de se quebrar certas regras, o caótico se passou a justificar a si próprio, sem que ao artista lhe tivesse sido dada a responsabilidade de saber que, mesmo para se quebrar uma regra secular, o método e a disciplina são fundamentais. Se assim não fosse entraríamos num universo em que nada significa nada (ou o tudo significa nada e vice-versa) e ao artista lhe seria colocada na testa uma etiqueta de contemporâneo sem que este tenha feito muito que merecesse tal epíteto.

Ora, a peça “Ele precisa começar”, escrita e interpretada por Felipe Rocha, vive e respira da quebra de certas regras do jogo teatral clássico, de uma forma assumida, perspicaz, interativa e por vezes até surpreendente, porque coloca sempre o espectador na dúvida sobre o que poderá acontecer no momento seguinte. Esse é o segredo, afinal, de uma arte que não tem segredos: a capacidade de manter a atenção de quem vê, a cada instante, para um combate sem tréguas ao que Peter Brook designou de forma brilhante por “as artimanhas do tédio”. Assim, quando o público entra na sala, já o ator se encontra deambulando pelo espaço cênico, cenografado de forma muito simples (uma escrivaninha com um laptop e um abajur, duas cadeiras e pouco mais), sendo que no início estava perfeitamente claro onde era o lugar de quem vê e onde era o local de quem faz, ainda que ao público lhe tivesse sido dada possibilidade de tomar um café, colocado ali mesmo numa pequena mesa da sala de apresentação para quem se quisesse servir.

Esta divisão será posteriormente quebrada várias vezes com a intervenção do protagonista na sua relação com algum espectador particular e pelo próprio trabalho de iluminação, que geralmente é determinante na clarificação entre o que é cena e o que não é cena (o que é, está iluminado; o que não é está “escondido” pela escuridão). Na peça, e por diversas vezes, o público é “colocado” dentro da luz, ou seja, é incluído no jogo cênico definido pela luminosidade. E o que à partida é um monólogo se transforma num interessante diálogo direto com o público e esta interação tem o seu ponto-chave quando, logo no início, o ator desafia alguém da platéia para interpretar o papel da co-protagonista, uma mulher chamada Fátima, sem a qual a trama não se poderia desenrolar. Importante referenciar que a atriz acidental não é forçada nem escolhida, mas sim se oferece a partir de um processo de sedução em que o ator (ou o protagonista, já que tudo se confunde) convence alguém a entrar em cena. A sua presença – a do personagem feminino – é tão importante que é ela quem define o final do espetáculo, um remate de uma beleza poética inquestionável porque é a uma pessoa que inicialmente estava na platéia que lhe é dada a possibilidade de fechar a luz da cena e sair pela porta da rua, com o protagonista, de novo envolto no manto ambíguo da solidão, se questionando afinal “o que é que está do outro lado?”.

O enredo nos mostra um dramaturgo que tem que escrever uma história. Que inventa e se deixa entusiasmar pelas suas idéias mirabolantes. Que se deixa invadir por seus sonhos, paranóias, medos, sejam eles o medo de se afogar por um dilúvio ou de ser perseguido por um conjunto ensandecido de mafiosos romenos. Aqui, na verdade, o texto é quase só pretexto, mas o que poderia ser um momento de puro narcisismo ou exibição pessoal, como acontece em tantos monólogos, acaba por resultar num espetáculo sólido, bem interpretado, divertido e que nos faz refletir sobre o lugar da dramaturgia (e do próprio público) no teatro que se faz hoje. Tal como o protagonista no final, também nós somos perseguidos por sonhos ruins, mas felizmente levamos conosco o sábio conselho que esta peça nos oferta: que quando somos perseguidos pelo medo de alguma coisa, o melhor mesmo é parar de fugir e caminhar na direção dessa coisa. Se levarmos essa idéia do teatro certamente já sairemos ganhando com a experiência. E aí, o teatro terá cumprido sua missão.

por João Branco - diretor artístico do festival Mindelact, Cabo Verde
Integrante da Oficina Teatro por Escrito, ministrada por Fátima Saadi.
Publicado no jornal da Mostra SESC Cariri de Cultura

quarta-feira, 11 de março de 2009

Folha de São Paulo: Teatro "indie" do Rio mostra vigor

Além de sucessos de público, "invasão" carioca em SP tem bons títulos alternativos, "Ele Precisa Começar" é brincadeira sobre a criação teatral.

O pacote teatral carioca que São Paulo desembrulha neste mês tem sucessos do dito segmento comercial (por exemplo, "A Noviça Rebelde" vista por 190 mil pessoas), mas também trabalhos que atestam a efervescência da cena alternativa. Tome o exemplo de Felipe Rocha, 37. Em 21 de outubro de 2007, a turnê da peça em que ele atuava, "Gaivota", passava por Toulouse, na França, quando, sozinho num quarto de hotel, laptop no colo, o ator decidiu "experimentar essa coisa de ter um discurso". Até que uma camareira bateu à porta.Tudo isso - a data precisa, o hotel, o laptop, a camareira - virou dramaturgia em "Ele Precisa Começar", seu primeiro texto. Em cena, o jorro de ideias e hesitações de um autor divide espaço com intervenções de seu personagem, que ameaça tomar as rédeas da história: "Não tinha intenção de chegar a nenhum lugar incrível. Queria ver se o desejo de expressão é um assunto por si só".

Por LUCAS NEVES em 6/3/09

terça-feira, 10 de março de 2009

post its

Um dia a gente chegou no teatro do Consolação pra fazer a peça e encontrou uma cadeira da platéia coberta de post its com observações generosas de um(a) espectador(a):

Não precisa gritar
Sentir melhor o público, especialmente Fátima
É necessário essa luta toda?
Jo - Ha - Kiu > Yoshi Oyda
dobrar as costas - coluna sem maleabilidade
melhorar dicção
legal a própria manipulação de luz, mas, às vezes mata o andamento da peça

Francisco Taunay: o zero, zephirum, o vazio

A ideia de um escritor, em um quarto de hotel, que vai escrever uma ficção, ou uma peça de teatro, ou mesmo um filme, e precisa começar, impulsiona esse monólogo interpretado por Felipe Rocha, já no seu início, com uma força extraordinária. Ele se coloca em uma região privilegiada do processo de criação: O zero, zephirum, o vazio, um momento onde tudo pode acontecer; todas as possibilidades são possíveis a partir da imaginação do autor/ator. Essa especulação sobre os acontecimentos e a direção que a ação dramática pode tomar é compartilhada com a platéia, convidada a imaginar junto e participar de maneira íntima da criação da trama e da própria trama em si.

O tempo todo, no desenvolvimento do espetáculo, existe a reflexão sobre essa direção que a estória vai encontrando, mas que poderia ser diferente, de acordo com o desejo do autor e do público, uma espécie de árvore de probabilidades, de encruzilhadas que desafiam a imaginação de quem cria, obrigado a decidir por determinados caminhos e abandonar outros. O ator cria, através da palavra, todo um universo que é vislumbrado pela imaginação do espectador, nesse movimento de sugestão de imagens que caracteriza o poder do teatro e da literatura. Essa produção de um mundo através de imagens sugeridas lembra O Marinheiro, “drama estático” de Fernando Pessoa, onde três mulheres conversam sobre a possibilidade de imaginar mundos: “Só o mar das outras terras é que é belo. Aquele que nós vemos dá-nos sempre saudades daquele que não veremos nunca...”

Já os contornos que a narrativa vai tomando, do grotesco de um ser simiesco que aparece no quarto até uma trama a la James Bond, lembra A Espuma dos Dias, fantástico romance de Boris Vian, ou mesmo Senhor Presidente, de Miguel Ángel Astúrias, se aproximando de uma estética barroca, que contrasta, e isso é bom, com a simplicidade do cenário e das luzes, no ambiente controlado pelo próprio ator. Felipe Rocha consegue, através da cumplicidade com o público, e com movimentos corporais precisos, capturar a atenção do espectador, que embarca na trama mirabolante. A história então se mistura com as lembranças pessoais do ator, sempre interagindo com o público de forma sutil.

Em uma espécie de interlúdio, o ator brinca com objetos em cima da mesa, criando um pequeno mundo onde a vida aparece de forma mágica, mas esse precioso momento é logo abandonado por uma brincadeira com as palavras escritas num laptop e palavrões, algo que diverte a platéia mas que se mostra desnecessário, fugindo da proposta ousada do espetáculo. Ao final, de certa forma, a peça triunfa quando o ator/diretor consegue encenar com o público, em uma cena que mistura beleza estética com uma espécie de beleza da realização da trama. Tudo é feito de forma a misturar o cotidiano, convencional, o próprio encontro das pessoas em uma sala, com a teatralidade; é um limite muito tênue. Essa arte de criar mundos se dá de um instante para o outro, no fluxo de um pensamento.

por FRANCISCO TAUNAY em 6/3/09
www.opiniaoenoticia.com.br

segunda-feira, 9 de março de 2009

Caixa de Entrada

DE: Michel Groisman
Revendo suas brincadeiras delicadas, pude lembrar de um dia lá no ginasio do São Vicente, nós dois estavamos conversando, e havia uma menina de costas para nós, de pé no degrau de cima da arquibancada. Não sei porque, ela ficou na ponta dos pés. Então delicadamente voce colocou a sua pasta (que eu acho que era verde clara) em baixo do calcanhar dela, que estava levantado. Quando ela abaixou os pés, de repente ela estava pisando na sua pasta! Parece que na peça, a cada instante a história podia mudar de rumo, através de pastas imaginárias.

DE: Jamil Cardoso
Me senti muito bem e muito violentado ao mesmo tempo, adorei a raiva que ele sente do espectador que vai embora, que não vai... Linda conversa com Fátima, linda Maria Bethânia, sincero... Realmente, aquilo é uma coisa! Não sei que coisa é, mas estava lá!

DE: Pedro Brício
Fifa: fiz uma declaração sobre a sua peça para a Folha mas vi que saiu a minha outra indicação. Te mando o textinho que eu escrevi, para vc colocar no seu book e abrir todas as portas nacionais e mundiais, provavelmente.
"Ele precisa começar - dramaturgia instigante, original, um jogo de narração cheio de surpresas e vazios. Felipe conduz o espetáculo como se fosse um amigo íntimo da platéia, carismático, cínico e (aparentemente) sem saber onde nos levar".
bj, pedro.

Folha Online: Ator usa humor e vigor físico

Felipe Rocha é um ator de 37 anos nascido em Paris e que mora no Rio há mais de três décadas. Em 21 de outubro de 2007, por volta do meio-dia, ele se sentou em frente a um computador para começar a escrever sua primeira peça, num hotel de Toulouse, no sul da França. O resultado da experiência é o monólogo "Ele Precisa Começar", em cartaz no Sesc Consolação, em São Paulo.

"Não tinha nenhuma expectativa de que saísse algo brilhante, nada disso", disse o ator à Folha Online. "Então, com essa expectativa rasa, o que viesse seria positivo." Segundo Rocha, seu objetivo era simplesmente conseguir terminar o texto.

Veja, neste videocast, alguns trechos da peça.

Charme francês
Com poucos recursos cênicos, Rocha aposta no corpo quando quer transmitir ao público os devaneios do texto - a peça tem direção de movimento da coreógrafa Dani Lima, mulher do ator. Ele pula, dança, canta, grita e faz imitações, arrancando risos e expressões de surpresa durante os 70 minutos da apresentação.

Também bailarino e trompetista, além de compositor da banda Brasov, Rocha começou a criar o texto um dia após ler uma peça do francês Jean-Luc Lagarce (1957-1995). A francofilia, aliás, também está presente numa certa "acidez" do humor, apontada pelo próprio autor, e ainda no uso de canções de Serge Gainsbourg (1928-1991), o compositor conhecido tanto por suas músicas, como "Je T'Aime... Moi Non Plus", quanto por suas musas, como Jane Birkin e Brigitte Bardot.

Por GABRIELA QUINTELA em 12/3/09

Proibido chimarrão

Turnê pelo interior do Rio Grande do Sul (na foto, Alex e Felipe em Farroupilha):

Não é permitido entrar no teatro com: Alimentos, bebidas e chimarrão.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

TEMPORADA CARIOCA: 2008

Marcos Ribas de Faria: Tudo começa com um pronome…

Parece simples? E é. Ainda que talvez não pelo modo como se costume ler. O “ele” que abre o título (“Ele precisa começar" ) não é tão simples assim. Ou óbvio. Aliás, óbvio é um adjetivo ou uma qualificação que passa ao largo do espetáculo do Felipe.

O “ele” é também “eu”, Isto é, o “ele”personagem é o “eu” ator e diretor. E vice-versa. Se “ele”, o personagem precisa começar a escrever (ou a criar) uma peça, o “eu” igualmente precisa começar a criar (ou a escrever) um espetáculo. Assim, os dados mallarmaicos do jogo de dados são ofertados.

Afinal, neste jogo (nos sentidos franceses do “jeu” – jogo e representação), a peça em processo de escrita é exatamente o espetáculo em processo de construção à vista do público. E vice-versa. O prazer do jogo (e da representação) é duplo. Na verdade, mais. É múltiplo.

Ele o é, evidentemente, do Felipe que é autor, ator, diretor, desenhista da trilha sonora, operador de luz etc. Já aí se encontra a citada multiplidade. Porém, há mais. Na invenção prazerosa da trama (escrita e representada, tornando ludicamente um só os espaços possíveis e reconhecíveis, algo altamente estimulante, uma soma carinhosa e apaixonada), o público torna-se igualmente autor, diretor etc.

Daí, o “eu” que é “ele”, vira também “nós” e “eles”. Para, assim, fechar em “todos”. Ou, instigantemente, abrir para todos. O folhetim narrado, as indagações propostas, o desenho cênico apresentado, as dúvidas expressas ou insinuadas, erigem-se em uma obra aberta onde o prazer da invenção, permeado com os necessários humor e carinho (assim como apresentado com a devida paixão pelo ato teatral), surge godardianamente como um aposta irresistível.

Ele (assim como o eu, o eles, o nós, o todos) é o artífice deste processo no qual a criação é refletida. Afinal, a brincadeira (o “jeu”) que remete a improvisações à Ornette Coleman, ao olhar de Godard sobre o musical (“Uma Mulher é uma Mulher”), é uma peça que não é uma peça que é uma peça que é não é um espetáculo que é um espetáculo que é uma peça…

E como, neste caso, o teatro precisa começar para continuar, todos os dias o desafio elegante e inteligente é proposto e recomeçado para poder ser continuado e assim existir. Igual e diferentemente. Nos caminhos a que todos nós somos levados a passear, bifurcados como os jardins borgeanos, ou não, isso é fundamental. E assim é construído para ser desconstruído para ser construído…por assim fora.

De uma certa forma, é um casamento fascinante, até porque não se assume pretensioso e jamais como resposta (e sim como pergunta), onde se pode ler/ver/ouvir Godard, Mallarmé, aventuras cinematográficas (holly ou bollywodianas) e Coleman, como já dito, mas igualmente, dentro de uma liberdade e de uma descontração alicerçadas em um rigor jamais estéril (e sim provocador), Hitchcock, Caetano, comédias românticas, melodramas, John Cage e improvisos schubertianos…

Felipe começa e continua, sem fechar. Todos começam e continuam sem fechar. Na liberdade da imaginação (e da invenção), o ato teatral acontece. Felizmente. Onde está o “precisa”? Em todos nós. No teatro. Na arte. Na criação.

Por MARCOS RIBAS DE FARIA

Dando Opinião: Salve as boas histórias

Rendo homenagens ao contemporâneo Felipe Rocha. Coisa mais linda é ver gente inventando um jeito novo de fazer teatro. Em "Ele precisa começar" vi de novo as forças centrípetas e centrífugas se alternando violentamente como no genial "ensaio.hamlet". Lembrei de Jean Paul Belmondo no setentino "O magnífico", misturando ficção e realidade.

Um espetáculo estranhíssimo esse o de Felipe. Meio hipnótico, meio chato, meio deslumbrante, meio genial. Aliás, toda vez que eu cansava, ele denunciava quase instantaneamente que a coisa estava mesmo cansativa, então se tornava criativíssimo de novo.

Uma roda viva, sem arame de segurança. Um sacode no tédio da dramaturgia contemporânea. Já gostava de Felipe, agora gosto muito mais.

Salve as boas histórias.

Por MARCIA ZANELATTO
www.dandopiniao.blogspot.com

O Dia online: Ele está só

O status de muso do (bom) teatro experimental da cidade Felipe Rocha já tem há tempos, graças às peças que fez com a galera da Cia. dos Atores. Ele também canta e toca trompete com os companheiros do Brasov. Agora, ele é o cara à frente de 'Ele Precisa Começar', espetáculo solo no qual divide a direção com o performer Alex Cassal. Os muitos 'eles' deste post são justificados pelas várias funções exercidas pelo rapaz, mas o grande lance é que Felipe agora está sozinho, dando a cara à tapa, encenando um texto de sua autoria.

O enredo parte da própria experiência do ator: ele está num quarto de hotel, não sabe o que fazer e decide escrever uma peça. No que vai dar, não sabe. Recorre a referências variadas, de filmes de ação dos anos 60 a dramas existenciais e comédias românticas. O ponto central mesmo é a necessidade de começar. Confesso que acho o tema interessante. Vamos ver se vai dar certo em cena. Para quem não lembra do que já viu com o rapaz, vamos lá: ele esteve ano passado em 'Gaivota: Tema Para um Conto Curto' e brilhou em 'Ensaio.Hamlet', fantástica desconstrução do clássico de Shakespeare conduzida por Enrique Diaz. Estréia sexta agora, na multiuso do Sesc Copa. Boa sessão.

Por ANDRÉ GOMES em 3/9/08
www.odia.terra.com.br

Operação Orquestra Improviso: Teatro Glaucio Gil












Operação Orquestra Improviso é um projeto de ocupação do Teatro Gláucio Gil iniciado em outubro de 2008. Os grupos Coletivo Improviso (do qual Felipe faz parte) e Pequena Orquestra uniram-se na curadoria de uma programação de teatro, dança, performance, shows, intalações, leituras dramatizadas, poesia, debates, oficinas e treinos para atores.
Operação Orquestra Improviso

Pedro Nercessian: Droga, fui desmascarado


Teatro do Jóquei, noite fria de domingo, Rio de Janeiro.

Peça alternativa (ai que medo), monólogo (mais medo). A pessoa que me indicou a peça disse que é uma peça interativa, que o ator escolhe uma pessoa da platéia para participar. Que louco retardado iria a uma peça com todas essas prerrogativas? Eu.

E lá estava, sentado na primeira fila esperando o início do espetáculo. Nesse meio tempo troco acenos com colegas de trabalho que se encontram na mesma situação que eu. Faço uma cara de “esperando a peça”. E penso: e se for uma merda. E se for tão boa e inteligente e eu não entender nada. E se for tão ruim e pseudointelectual e eu não entender nada. E se não for nada? E se de repente os cavalos do Jóquei invadirem a sala matando a todos nós pisoteados!

Acho melhor parar de pensar e comer umas jujubas que estavam no meu bolso. As azuis não, deixam um gosto horrível na boca. Porque ainda fabricam jujubas azuis se ninguém gosta delas?

Ao final dessa reflexão já seria 9:23 da noite, estávamos todos parados olhando para ele. Ele precisa começar. E ele começa, de maneira até tradicional eu diria. Fala um texto tradicional, olha para o público de maneira tradicional. Ok, teremos uma peça tradicional.

Eis que o ator começa a se exaltar, ele fica nervoso, grita, suas artérias e veias começam a ficar visíveis em seu pescoço. De repente ele, fazendo gestos de dinossauro, vem em direção a platéia. Ai, meu Deus! Ele está se aproximado, e ele baba, será que a participação da platéia é ser devorada? Ele já esta a menos de dois metros de nós. Fico ainda mais nervoso, tento disfarçar comendo jujubas freneticamente. Droga, comi uma azul sem querer. Um gosto horrível de aniz me invade a boca. O dinossauro para a poucos centímetro de mim, me observa um pouco, tento não demonstrar medo, ele pensa: Pobre humano aterrorizado pelo teatro contemporânea. E sai. Ou então pode ter sido o hálito de aniz que o espantara? O que importa é que eu estava a salvo, pelo menos por enquanto.

Outras coisas estranhas aconteceram no decorrer da peça: cadeiras flutuando pelo teatro, perseguição de carro em estradas do interior da Europa e pensamentos muito interessantes sobre as coisas da vida (entendi todos eles, acho).

Não, essa não é uma peça pseudointelectual. A pesar do ar de sofisticação que paira pelo cenário. Essa é uma peça simples, inteligente, divertida. E que infelizmente está chegando ao fim. E ela acaba.

Tenho vontade de aplaudir de pé e jogar o chapéu para o alto. Mas estou entre colegas de trabalho, tenho que manter a linha. Recorro à velha fórmula do aplauso na medida certa: nem tão desanimado que pareça que você é esnobe e não gostou do trabalho e também nem tão entusiasmado a ponto de parecer que você não faria algo melhor.

Tentei Aplaudir como quem não estava muito entusiasmado, mas eu estava! Tentei mas meus olhos não sabem mentir tão bem quanto eu. Acho que o ator percebeu que eu adorei. Droga, fui desmascarado.

Não poderia ter feito nada melhor na minha noite fria de domingo. Pego o carro e vou pra casa pensando que eu preciso começar (também. Tão bem quanto ele).

Bravo!

Por PEDRO NERCESSIAN em 30/9/20
www.banhodechuva.multiply.com

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Chacal: Um Felipe infinito

Fui ver a peça do Felipe Rocha “Ele precisa começar”. É um show de interpretação, de texto, de nuances dramáticas. Que não levam absolutamente a lugar nenhum.

Um dia pensavam que a arte podia levar a algum lugar. Cada movimento que aparecia prometia ser o certo. Que ele seria o caldo knor da quinta essência da arte. Paralelamente a política apresentava suas armas e numa escalada medonha, diagnosticava que o comunismo triunfal ou o livre mercado poderiam enfim, trazer a tão desejada felicidade.

Concomitantemente ciência dos baixos instintos explanava que resolvido problemas de ordem orgônica, das repressões no olho do cu do mundo, o homem e a mulher felisseriam. Isso nos dava um sentido.

A peça de Felipe vai ali e chega junto. Uma coisa que nuncomeça... uma peça que nuncacaba. Não quer explicar nada e diz tudo dessa nossa arrogância de querer explicar o inexplicável, de querer dar sentido ao turbilhão, de não encarar de frente o olho da morte. Felipe desconstrói um a um os as partes pudicas do teatro (palco, público, personagens), da narrativa (quem fala?), do espaço cênico (entra o fora, sai o dentro). E dessa angustiante, hilária e cruel dissecação, o que resta ? Um espetáculo espetacular. Aos que buscam uma historinha digestiva para abrir o apetite de um jantar regado ao prazer do blá blá blá, passem longe. Aos que buscam uma chave de braço no teatro com os atores sapateando sobre suas vísceras, esse poderão gostar. Mas Felipe avisa: nada contra apenas eu tentando começar.

Aos que vão em busca de um sentido, continuarão à espera. Sentados.

Felipe tem estrada gloriosa. De músico extraordinário, autor de belíssimas trilhas para dança, teatro, poemas, à integrante do seminal Brasov, uma gang de mafiosos romenos que assalta nossos palcos vezenquando, a saltimbanco na Intrépida Trupe e na Companhia de Dani Lima, a ator na Companhia dos Atores, dirigida por Enrique Diaz. Felipe não é de hoje, já ta na pista há muito tempo. Agora vai, fazer de suas confuscas, de seu requeijão, uma arte que não se quer redentora, nem se quer repetitiva. Apenas uma forma corajosa e histriônica de driblar o sentido. A vida tem muitas mãos. E o dedo que aponta é o dedo que erra.

Por CHACAL em 15/9/2008
www.chacalog.zip.net

melamed durante os ensaios...

e-mail de agosto, 2008

querido meu
assim
à distância
compartiilho duas palavras que tem me norteado neste e nos trabalhos em geral por agora:
rigor e afeto
ser rigoroso com tudo
sem auto-indulgência, cansaço, desânimo, infantilidades, nada nada
rigor nos cortes necessários, na dedicação, em alcançar o que se imaginou, em saber parar se o que se imaginou não tiver tempo suficiente, etc., bla bla
e afeto nas relações
afeto com as coisas
o afeto tem me conduzido as melhores escolhas
ah: sabe que alguns filósofos contemporâneos defendem a intuição como o paroxismo da razão/ inteligência?
de réstia,
toda sorte e coragem
e merda
que todo mundo é de ferro
com carinho,
m

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

...e o chão subindo rápido...


E agora, ele precisa continuar. Ainda há tanta coisa para ser dita, ou feita. Ele coloca uma pilha de CDs ao lado da pilha de livros sobre a mesa, prende fotos e recortes na parede, no meio também vão uns cartões de visita e receitas de remédio. Ela manda um telegrama cifrado perguntando pelo orçamento que ele não encontra, talvez esteja debaixo da cama, entre o pára-quedas e o guardador de carros. Ele segue e pensa em tudo que está faltando, faz listas de nomes (Gustavo, Dani, Paulinho, Isabel, Thiare, Denise, Michel, Clara, Francis, os gêmeos), listas de medos (da bomba de seis metros, do homem das facas, do monstro de lodo, do reveillon sozinho), listas de desejos não realizados (viajar por dentro do próprio corpo, mulheres esmagando uvas com os pés, Obi-Wan pulando no vazio sem hesitação). Já são quase 12:00, já é quase setembro e ele precisa continuar, não tem mais jeito. E ainda assim, ele dispersa, distrai, canta uma música antiga, substitui um amigo numa peça, esquece de pegar o filho na escola. Os CDs e os livros estão misturados, ele não encontra mais nada. Ele organiza acontecimentos, versões, álibis, ensaia à exaustão uma pequena cena de descontrole emocional e acaba não usando. É um desperdício. É uma fartura. É a vida. Ele pára de escrever por um mês até que ela telefona várias vezes, deixa recados, entre incisiva e delicada, diz que esqueceu de incluir 25 nomes nas listas, e o cofre na mochila do pára-quedas, e ele caindo a 12.000 mil pés, ele pensa em tudo que ficou por fazer, ele pensa que o chão está subindo tão rápido, ele segura com decisão a fivela no peito, respira fundo e pensa que se mudar de idéia talvez não dê tempo para...

Alex Cassal

Denise pensando

e-mail de agosto, 2008

Tenho pensado em vocês. Estou lendo um livro que se chama O dramaturgo como pensador. É de um crítico americano. Não concordo com tudo que ele escreve e às vezes me pego discutindo com o autor. Mas de vez em quando aparecem coisas que servem para a gente pensar. Ele escreve: "O dramaturgo não só faz um plano de procedimento, ele cria e realiza uma obra de arte que já esta completa na sua cabeça - exceto por sua reprodução técnica - e que exprime, através da imagem verbal e do conceito, uma determinada atitude diante da vida."
Gostei do "plano de procedimento", é uma expressão bem dura.
Beijos.
Denise

Considerações sobre o cofre


por Aurora dos Campos, cenógrafa da peça

o cofre
a questão do cofre
o peso do cofre
a porra do cofre
fiquei com vontade de escrever para Bachelard dizendo que a questão do cofre vai muito além do potencial do que ele tem dentro de si.
ele em si já nos pesou tanto que quase causou uma hérnia sem nem mesmo ser movido.
qual será a resolução do cofre?
ter ou não ter? eis a questão.
qual é o peso real do cofre?
para quem não sabe, ele é laranja, tem 1 metro de altura, está no canto de um quarto com piso de tacos, num terceiro andar de copacabana.
falando assim ele até parece ser bonzinho, mas o cofre não é bonzinho.
ele se encaixa na categoria das coisas especiais, que precisa de carregadores especiais, assim como o piano.
agora ele voltou a ser simpático, depois de saber que está na categoria de coisas especiais junto ao piano.
já o imaginei em vários cantos dessa sala, a multiuso.
já o vi parado, quieto, emanandando um certo poder.
já o vi com várias pessoas em volta.
já o vi arranhando o chão de madeira.
já o vi numa espécie de patinete com rodinhas,
mas tem cabimento um cofre sobre rodinhas?
não, isso realmente eu não posso fazer com o cofre.
toda a majestade do cofre cairia no ridículo.
será que os Super Brasovs poderiam atravessar copacabana com o cofre no ombro?
será que o Super Café seria amigo do cofre?

carta ao cofre:

Querido Cofre,
escrevo para agradecer por você ter surgido na minha vida.
Apesar do trabalho que você me deu essa semana foi muito bom te conhecer.
Respeito ainda mais Vossa imponência, digo isso num tom de brincadeira mas é profundo o meu sentimento.
Escrevo num tom de despedida mas está difícil desapegar de você.
Passamos a semana falando sobre você.
Vou pensar numa maneira de te incluir na peça.
A verdade é que você já faz parte e mesmo que não possa comparecer fisicamente estará sempre nos nosso corações (nossa como estou sentimental).
Acho que isso é mesmo uma despedida.
Amanhã ainda vou ver quanto os carregadores especiais cobram para te remover (eles usam o termo remover).
Mas acredito que você não será removido.
Continuará ai no seu canto, estático e imponente como um cofre deve ser.
Agradeço também ao Eduardo, o novo dono do espaço onde você vive que iria nos ceder você gentilmente.
Escrevo também em nome da equipe do Ele precisa começar.
Deixaremos convites para a estréia, procure por Cofre + 1.
Obrigada,
Aurora dos Campos.