quinta-feira, 19 de março de 2009

Dramaturgia dos atores

A “dramaturgia da cena” é uma constante forte demais no teatro recente (para não dizer “contemporâneo”) para não ser encarada como uma espécie de movimento. Não que seja inédita ou uma exclusividade dessa década, mas é fato que se prolifera e arrisca se firmar como tendência (um conceito que pode ser muito abominável em sua natureza) essa intensa participação do ator na construção (e não só na transmissão) do texto dramatúrgico.

Explicando: fala-se aqui de peças em que a base da comunicação teatral – o texto – muitas vezes nem sequer existe de antemão, sendo encontrado e moldado a partir de vivências, pesquisas, experimentos e ensaios. Ou, em outros casos, todo o repertório dos intérpretes e suas maneiras práticas de abordagem de um tema ou história é que enriquecem e transformam um texto que de fato existe (às vezes em forma não-dramática - por exemplo, um conto) como ponto de partida.

Os exemplos são muitos e caminham de mãos dadas com uma já desgastadamente apontada realidade da cena dessa década, que é o “teatro de grupo”. Entre tantos outros, Cia. Livre, Grupo XIX de Teatro, Cia. Luna Lunera e Grupo Espanca! demonstraram sucesso nessa seara. Com resultados frescos e surpreendentes (“Por Elise”), densos e reveladores (“Arena Conta Danton”), intensos, inventivos e delicados (“Aqueles Dois”, “Hysteria”, “Arrufos”) ou simplesmente sublimes (“Negrinha”).

E quando, afastado do grupo, um ator coloca-se sozinho nessa jornada de erguer um espetáculo, sem um autor que o apóie? Ou, antes, quando o autor é ele mesmo, antes ou durante a composição da cena?

É nessa experiência que Felipe Rocha se atira em Ele Precisa Começar.

Para todos os efeitos, o experimento de Felipe dá certo porque ele é ator de uma profunda simpatia, no sentido mais amplo do termo. Suas idéias podem parecer – porque em certa medida são mesmo – dispersas e digressivas, pedaços flutuantes em busca de um todo. Mas o eixo central de sua performance é a sua própria presença e sua capacidade sempre precisa em provocar a busca por imagens ativas e poéticas extraídas de suas palavras. Ele pode não estar dizendo um texto com progressão dramática ou relações causais claras, mas os elementos que traz para a troca estética e emotiva estão sempre vivos, sempre instigando atmosferas e sensações, sempre causando algo, seja o riso (na maior parte das vezes), o incômodo ou a sentimentalidade.

Ele Precisa Começar começa com a falsa idéia de um experimento cênico de câmara e agiganta seus espaços (físicos e semânticos) com uma sacolejante explosividade. É como um elefante numa loja de porcelanas – exceto que o elefante canta e dança balé entre as louças, sem jamais derrubá-las.

(Isso sem contar que a cena em que o ator protagoniza um memorável embate com o revisor ortográfico de seu computador é desde já para não se esquecer.)


Por RAFAEL GOMES em 17/3/09
www.rafaelgomes.blogspot.com

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