quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Espetáculo às Avessas

Por Gabriela Mellão (dramaturga e crítica da Revista Bravo!)

Em Ele Precisa Começar, o ator Felipe Rocha desmistifica o fazer teatral, construindo e descontruindo sua dramaturgia a todo momento diante do espectador.

O ator Felipe Rocha desmistifica o ato dramatúrgico em Ele Precisa Começar, monólogo no qual também atua e que marca sua primeira incursão pela escrita teatral. A peça foi escrita enquanto o atorparticipava de uma turnê internacional com a Cia. dos Atores.

Felipe inicia a nova profissão sozinho no quarto de hotel. Como ele, seu personagem, escreve a primeira frase: “Ele precisa começar”. A partir dali, permite-se redigir o que lhe passa pela cabeça. O texto se desenvolve em tempo real, alinhado com as ideias que surgem quando, fora de casa, usando seu tempo ocioso criativamente, o ator preenche a página em branco de seu computador.

Autor, ator e personagem se misturam a todo momento, estabelecendo um jogo saboroso entre ficção e realidade, que encanta pela maneira criativa e espontânea com que se desenrola. Ele Precisa Começar constrói e desconstrói a história diante do espectador. Possibilidades de caminhos dramatúrgicos aparecem e desaparecem com grande rapidez. O personagem repete os pensamentos do autor: “a história pode ir pra qualquer lugar: pode ser um drama existencialista; ou uma comédia suave; uma obra conceitual; uma história de horror com monstros de lodo e acontecimentos sobrenaturais...” De fato, a trama passeia por gêneros diversos, mas Felipe não se fixa em nenhum. O que realmente lhe importa é a experimentação, a vitalidade do jogo cênico. A iluminação da peça também é controlada por Felipe. Ele cria climas distintos para cada viagem proposta por sua imaginação. No mais inusitado deles, apaga todas as luzes do palco, exceto uma pequena luminária a qual ele direciona seu foco para incidir sobre o protagonista da vez, um gravador.

Ele Precisa Começar escancara o ato dramatúrgico à plateia. Convida-a a participar como co-autor. Literalmente, já que Fátima, a personagem imaginária que contracena com o protagonista, é materializada em cena no corpo de um espectador voluntário. Isto acontece às claras. Na pele de seu personagem, Felipe abre publicamente pensamentos transformados em material dramatúrgico: revela que vai pedir para algum espectador trocar de lugar com a tal Fátima. Põe em prática a ideia, não sem antes admitir seu entusiasmo em colocar o público na iminência de participar efetivamente da trama. Em outro momento, anuncia que quem não estiver gostando da peça pode se retirar. Insiste, diz que não será constrangimento algum. O fato não demora a servir de alimento para o texto, misturando-se à história em construção: “Essa pessoa simplesmente se levanta, sem nenhuma crítica, caminha até a porta, desce a escada ou o elevador, chega à rua, e fica surpresa ao encontrar comigo e com Fátima, encostados num carro-esporte conversível que ela estacionou rente ao meio-fio”, diz.

Felipe brinca com o texto, com o público e consigo próprio. Solicita a imaginação da platéia para a visualização de seus enredos improváveis, metamorfoseia seu corpo em monstros, dança, nada, esperneia em cena. Faz inúmeras suposições para seu enredo, as quais mesmo que não se concretizem, não se transformem em ação, interferem na peça. Os acontecimentos mais insignificantes exercem o importante papel de esmiuçar o ato dramatúrgico ao espectador, revelando o avesso do que o público está acostumado a ver num espetáculo: a obra em fase de criação.

Ele Precisa Começar é uma brincadeira séria. Nela, o espectador se diverte, mas também se questiona sobre o fazer artístico. O autor brinca, se abastece de arte e testa novos caminhos ao teatro contemporâneo, relembrando a todos a verdadeira essência da dramaturgia. Trata-se de uma arte acessível a todos, que pode germinar num hotel, no campo, em qualquer lugar, feito flor de beira de estrada.

(Crítica da apresentação no Fentepp - Festival Nacional de Teatro de Presidente Prudente)
www.fentepp.com.br

7 comentários:

Carol Coelho disse...

Não é só porque eu participei como a Fátima da peça..mas eu amei ela!
Tem alguma coisa q nos prende a ela..
Um recado ao Felipe..Sou eu!A Fátima de Presidente Prudente!

Bom é isso muito boa mesmo..

Beeeijos!

Felipe Rocha disse...

Ei, Fátima! Que bom que você gostou!

Um beijo,
Felipe.

Unknown disse...

oi passei pdizer q adorei o espetaculo foi o melhor espetaculo da mostrar sesc cariri parabens espero tê-lo novamente aki no cariri.............bjos!!

arlet almeida.

Tathiana Treuffar disse...

Que delícia!!! fiquei com muita vontade de assistir.
beijos,
Tathi.

Felipe Rocha disse...

Tathiana!

Tomara que a gente volte pra Rio, e que você possa ver.
beijo carinhoso, felipe.

Jacson disse...

A peça é magnífica!
Parabéns ao Felipe pela criação e atuação.
Ah, só pra não passar em branco, acho que o tapa da Fátima de Porto Velho foi muito doido. hauhaua

marzua disse...

Pelos comentários anteriores se nota como o público participou da grande parcela de improvisação, e se sentiu emocionalmente envolvido, sem deixar de brincar de se manchar com a forte dramaturgia. Isso aconteceu comigo, o espectador é levado para dentro do texto, viaja commsuas imprevistas manobras em busca de soluções para o que aflige o autor/ator na busca de si e de viver seu sonho, compartilhado com o fascínio de todos. Parabéns, Felipe!!

Marcos Arzua (da Oficina do Teatro Poeira)