sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Pedro Nercessian: Droga, fui desmascarado


Teatro do Jóquei, noite fria de domingo, Rio de Janeiro.

Peça alternativa (ai que medo), monólogo (mais medo). A pessoa que me indicou a peça disse que é uma peça interativa, que o ator escolhe uma pessoa da platéia para participar. Que louco retardado iria a uma peça com todas essas prerrogativas? Eu.

E lá estava, sentado na primeira fila esperando o início do espetáculo. Nesse meio tempo troco acenos com colegas de trabalho que se encontram na mesma situação que eu. Faço uma cara de “esperando a peça”. E penso: e se for uma merda. E se for tão boa e inteligente e eu não entender nada. E se for tão ruim e pseudointelectual e eu não entender nada. E se não for nada? E se de repente os cavalos do Jóquei invadirem a sala matando a todos nós pisoteados!

Acho melhor parar de pensar e comer umas jujubas que estavam no meu bolso. As azuis não, deixam um gosto horrível na boca. Porque ainda fabricam jujubas azuis se ninguém gosta delas?

Ao final dessa reflexão já seria 9:23 da noite, estávamos todos parados olhando para ele. Ele precisa começar. E ele começa, de maneira até tradicional eu diria. Fala um texto tradicional, olha para o público de maneira tradicional. Ok, teremos uma peça tradicional.

Eis que o ator começa a se exaltar, ele fica nervoso, grita, suas artérias e veias começam a ficar visíveis em seu pescoço. De repente ele, fazendo gestos de dinossauro, vem em direção a platéia. Ai, meu Deus! Ele está se aproximado, e ele baba, será que a participação da platéia é ser devorada? Ele já esta a menos de dois metros de nós. Fico ainda mais nervoso, tento disfarçar comendo jujubas freneticamente. Droga, comi uma azul sem querer. Um gosto horrível de aniz me invade a boca. O dinossauro para a poucos centímetro de mim, me observa um pouco, tento não demonstrar medo, ele pensa: Pobre humano aterrorizado pelo teatro contemporânea. E sai. Ou então pode ter sido o hálito de aniz que o espantara? O que importa é que eu estava a salvo, pelo menos por enquanto.

Outras coisas estranhas aconteceram no decorrer da peça: cadeiras flutuando pelo teatro, perseguição de carro em estradas do interior da Europa e pensamentos muito interessantes sobre as coisas da vida (entendi todos eles, acho).

Não, essa não é uma peça pseudointelectual. A pesar do ar de sofisticação que paira pelo cenário. Essa é uma peça simples, inteligente, divertida. E que infelizmente está chegando ao fim. E ela acaba.

Tenho vontade de aplaudir de pé e jogar o chapéu para o alto. Mas estou entre colegas de trabalho, tenho que manter a linha. Recorro à velha fórmula do aplauso na medida certa: nem tão desanimado que pareça que você é esnobe e não gostou do trabalho e também nem tão entusiasmado a ponto de parecer que você não faria algo melhor.

Tentei Aplaudir como quem não estava muito entusiasmado, mas eu estava! Tentei mas meus olhos não sabem mentir tão bem quanto eu. Acho que o ator percebeu que eu adorei. Droga, fui desmascarado.

Não poderia ter feito nada melhor na minha noite fria de domingo. Pego o carro e vou pra casa pensando que eu preciso começar (também. Tão bem quanto ele).

Bravo!

Por PEDRO NERCESSIAN em 30/9/20
www.banhodechuva.multiply.com

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