terça-feira, 10 de março de 2009

Francisco Taunay: o zero, zephirum, o vazio

A ideia de um escritor, em um quarto de hotel, que vai escrever uma ficção, ou uma peça de teatro, ou mesmo um filme, e precisa começar, impulsiona esse monólogo interpretado por Felipe Rocha, já no seu início, com uma força extraordinária. Ele se coloca em uma região privilegiada do processo de criação: O zero, zephirum, o vazio, um momento onde tudo pode acontecer; todas as possibilidades são possíveis a partir da imaginação do autor/ator. Essa especulação sobre os acontecimentos e a direção que a ação dramática pode tomar é compartilhada com a platéia, convidada a imaginar junto e participar de maneira íntima da criação da trama e da própria trama em si.

O tempo todo, no desenvolvimento do espetáculo, existe a reflexão sobre essa direção que a estória vai encontrando, mas que poderia ser diferente, de acordo com o desejo do autor e do público, uma espécie de árvore de probabilidades, de encruzilhadas que desafiam a imaginação de quem cria, obrigado a decidir por determinados caminhos e abandonar outros. O ator cria, através da palavra, todo um universo que é vislumbrado pela imaginação do espectador, nesse movimento de sugestão de imagens que caracteriza o poder do teatro e da literatura. Essa produção de um mundo através de imagens sugeridas lembra O Marinheiro, “drama estático” de Fernando Pessoa, onde três mulheres conversam sobre a possibilidade de imaginar mundos: “Só o mar das outras terras é que é belo. Aquele que nós vemos dá-nos sempre saudades daquele que não veremos nunca...”

Já os contornos que a narrativa vai tomando, do grotesco de um ser simiesco que aparece no quarto até uma trama a la James Bond, lembra A Espuma dos Dias, fantástico romance de Boris Vian, ou mesmo Senhor Presidente, de Miguel Ángel Astúrias, se aproximando de uma estética barroca, que contrasta, e isso é bom, com a simplicidade do cenário e das luzes, no ambiente controlado pelo próprio ator. Felipe Rocha consegue, através da cumplicidade com o público, e com movimentos corporais precisos, capturar a atenção do espectador, que embarca na trama mirabolante. A história então se mistura com as lembranças pessoais do ator, sempre interagindo com o público de forma sutil.

Em uma espécie de interlúdio, o ator brinca com objetos em cima da mesa, criando um pequeno mundo onde a vida aparece de forma mágica, mas esse precioso momento é logo abandonado por uma brincadeira com as palavras escritas num laptop e palavrões, algo que diverte a platéia mas que se mostra desnecessário, fugindo da proposta ousada do espetáculo. Ao final, de certa forma, a peça triunfa quando o ator/diretor consegue encenar com o público, em uma cena que mistura beleza estética com uma espécie de beleza da realização da trama. Tudo é feito de forma a misturar o cotidiano, convencional, o próprio encontro das pessoas em uma sala, com a teatralidade; é um limite muito tênue. Essa arte de criar mundos se dá de um instante para o outro, no fluxo de um pensamento.

por FRANCISCO TAUNAY em 6/3/09
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