quarta-feira, 3 de setembro de 2008

...e o chão subindo rápido...


E agora, ele precisa continuar. Ainda há tanta coisa para ser dita, ou feita. Ele coloca uma pilha de CDs ao lado da pilha de livros sobre a mesa, prende fotos e recortes na parede, no meio também vão uns cartões de visita e receitas de remédio. Ela manda um telegrama cifrado perguntando pelo orçamento que ele não encontra, talvez esteja debaixo da cama, entre o pára-quedas e o guardador de carros. Ele segue e pensa em tudo que está faltando, faz listas de nomes (Gustavo, Dani, Paulinho, Isabel, Thiare, Denise, Michel, Clara, Francis, os gêmeos), listas de medos (da bomba de seis metros, do homem das facas, do monstro de lodo, do reveillon sozinho), listas de desejos não realizados (viajar por dentro do próprio corpo, mulheres esmagando uvas com os pés, Obi-Wan pulando no vazio sem hesitação). Já são quase 12:00, já é quase setembro e ele precisa continuar, não tem mais jeito. E ainda assim, ele dispersa, distrai, canta uma música antiga, substitui um amigo numa peça, esquece de pegar o filho na escola. Os CDs e os livros estão misturados, ele não encontra mais nada. Ele organiza acontecimentos, versões, álibis, ensaia à exaustão uma pequena cena de descontrole emocional e acaba não usando. É um desperdício. É uma fartura. É a vida. Ele pára de escrever por um mês até que ela telefona várias vezes, deixa recados, entre incisiva e delicada, diz que esqueceu de incluir 25 nomes nas listas, e o cofre na mochila do pára-quedas, e ele caindo a 12.000 mil pés, ele pensa em tudo que ficou por fazer, ele pensa que o chão está subindo tão rápido, ele segura com decisão a fivela no peito, respira fundo e pensa que se mudar de idéia talvez não dê tempo para...

Alex Cassal

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